A educação financeira no Brasil precisa ser mais proativa e buscar o momento certo para a divulgação de temas que envolvam a preocupação com a poupança, investimentos e com a aposentadoria. A opinião é de um dos grandes especialistas no tema, o economista pela Universidade de São Paulo (USP), Aquiles Mosca, mestre em administração pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Empresas) da França e autor dos livros “Investimento sob Medida” e “Finanças Comportamentais”.
“As informações sobre investimentos pessoais e preocupação com a poupança são perecíveis. A discussão precisa ser trazida no momento em que a população mais precisa ouvir”, diz Mosca, que atualmente compõe o time do BNP Paribas Asset Management e que desde 2013 preside o Comitê de Educação a Investidores da Anbima.
Para ele, a educação financeira tem que ser “just in time”. Aproveitar, por exemplo, o início do ano, em janeiro e fevereiro, no momento de compromissos fixos do calendário orçamentário familiar, com IPTU, IPVA, material escolar etc. “É neste momento que seria importante essas dicas de gestão de orçamento”, reforça. As pesquisas da FGV mostram que nessas ocasiões a população retém 70% a 80% do conteúdo divulgado.
Em entrevista à Viva, Fatos & Opiniões, o economista lembra que a educação financeira, ainda mais para o brasileiro, um dos povos que menos poupa no mundo, precisa começar na escola, no ensino médio e fundamental. “já vemos algumas luzes no final do túnel. Em várias escolas, o tema começa a ser tratado, e não apenas na disciplina de matemática, mas também em história e português, já que se trata também de uma ciência de humanas e não apenas de exatas. Mas falta ainda uma campanha de conscientização para mostrar ao brasileiro a importância da poupança”, observa Mosca.
Confira, agora, a entrevista com o economista.
Viva Previdência – Pesquisas recentes mostram que o brasileiro só se preocupa com investimentos e poupança quando mexe diretamente com a sua vida. É isso mesmo?
Aquiles Mosca – Há um equívoco, atualmente, na forma como se chama a atenção para esses temas. O tema é perecível. É preciso discutir investimentos e poupança na hora em que o brasileiro precisa ouvir sobre isso. A educação financeira tem de ser “just in time”. Por exemplo, no começo do ano, em janeiro e fevereiro, é o momento do orçamento familiar, com dívidas com IPTU, IPVA, material escolar etc. É neste momento que essas dicas de gestão de orçamento seriam importantes. As pesquisas da FGV mostram que nessas ocasiões a população retém 70% a 80% do conteúdo divulgado.
VP – De alguma maneira, isso já é feito no fim do ano, com as sugestões de dicas na previdência privada. Mesmo assim, a poupança para a velhice ainda não é cultural no país.
AM - De fato, as instituições financeiras fazem isso, mas com um discurso errado. Fale-se apenas do benefício fiscal no imposto de renda. Não se vai ao cerne da questão, a importância de poupar para a aposentadoria. Para se ter uma ideia, hoje no Brasil, conforme dados da Anbima, só 3% dos aposentados têm 100% de recursos próprios para usar na aposentadoria. Quase metade depende da ajuda dos filhos para se manter e cerca de 25% precisam continuar trabalhando. O restante tem de baixar seu padrão de vida ao se aposentar, por não ter renda adequada. Ainda há uma concepção errada entre os brasileiros de que é função do Estado garantir a renda da população após a aposentadoria. Mais da metade das pessoas entre 40 e 49 anos no país afirma, na pesquisa, que não pensou no assunto da aposentadoria. Outra parcela expressiva acredita que terá uma vida melhor na velhice por conta da ajuda do governo.
VP – Como a pandemia da covid-19, que trouxe tantas dificuldades à grande parte da população, está alterando essa visão equivocada do brasileiro?
AM – Os dados de outra pesquisa da Anbima são de que 62% dos brasileiros foram pegos na pandemia sem poupança para momentos de crise, alguns sem nada para emergências. Mas, na classe média e alta, que conseguiu manter o emprego e não tem falta de recursos, a pandemia estimulou o aumento da poupança. Como não tinha onde gastar, não está jantando fora ou viajando, está conseguindo guardar mais desses gastos variáveis. Ou seja, o lado positivo é que as pessoas, caso tomem uma decisão, são capazes de poupar mais. Há vários estudos feitos, inclusive por psicólogos, mostrando que situações traumáticas, como é o caso da pandemia, podem ser um indutor de mudança de comportamento.
VP – Como a educação na infância pode ajudar o brasileiro a se preocupar mais em poupar e pensar na aposentadoria?
AM – Há, nessa questão, um avanço no Brasil. Já vemos algumas luzes no final do túnel. Em várias escolas, o tema começa a ser tratado, e não apenas na disciplina de matemática, mas também em história e português, já que se trata também de uma ciência de humanas e não apenas de exatas. Em história, pode-se discutir, por exemplo, a questão do endividamento do país. Mas acho que falta ainda uma campanha de conscientização no Brasil sobre a importância de poupar, como é feito nos EUA e em outros países. O brasileiro gasta muito em bens de consumo, como troca de geladeiras e de tvs, e se preocupa pouco em poupar para faculdade, compra de imóveis e saúde, como faz o norte-americano. É uma questão cultural. O chinês, por exemplo, poupa 50% de sua renda. Na América Latina, o Chile tem a maior taxa de poupança e uma educação financeira fortíssima. Aqui no Brasil, há um tabu nas famílias em falar de dinheiro. É um dos assuntos mais evitados numa reunião entre os parentes.